Na última semana, Rio Preto acompanhou, através da imprensa, o fatídico caso da médica, Thallita da Cruz Fernandes, de 28 anos, que foi encontrada morta em seu apartamento. A jovem perdeu a vida ao tentar terminar um relacionamento. Não aceitando o rompimento, o namorado de Thallita tirou sua vida a facadas e em seguida escondeu o corpo dentro de uma mala. Assim como muitos casos registrados no município, Thallita entra para uma triste estatística. Os dados do sistema de Vigilância de Violência Interpessoal e Autoprovocada, da Secretaria de Saúde de Rio Preto apontam que as mulheres mais atingidas pela violência em Rio Preto possuem idade entre 20 e 39 anos.
Segundo um relatório produzido pelo coletivo feminista Lugar de Mulher é Onde Ela Quiser, entre 2021 e 1 de agosto de 2023, 1.721 mulheres com idade entre 20 e 29 anos e e 1.795, com idade entre 30 e 39 sofreram algum tipo de violência no município.
“É importante compreender que nós temos registros de violência contra pessoas do sexo feminino de todas as faixas etárias, incluindo de 0 a 1 ano de idade, mas a divulgação dos dados de pico, ou seja na faixa etária em que se concentra o maior número dessas violências é significativa para alertar as mulheres que se enquadram no perfil das vítimas, no sentido de que ao primeiro indício de violência ela esteja atenta e possa procurar ajuda antes que o pior aconteça”, disse Tidda Vernucci, ativista e fundadora do coletivo.
Dos 7.722 casos de violência contra a mulher analisados, 6.819 aconteceram dentro de casa, seguido de 435 em vias públicas e 187 em comércio/serviços (no local de trabalho). As violências mais praticadas contra as pessoas do sexo feminino na cidade é a física, que correspóndeu a 2.747 casos, 2.551 foi o número de violência psicológica (ou moral) em Rio Preto e sexual, 495.
Os cônjuges lideram a lista dos agressores de mulheres em Rio Preto, durante pelo menos os últimos dois anos e meio, 1.959 mulheres foram agredidas pelo próprio companheiro. Em segundo lugar vem os ex-companheiros, responsáveis por 1.487 dos registros de agressões na cidade.
De acordo com o Instituto Maria da Penha a violência contra mulher possui um padrão identificável, embora cada agressor possua sua pessoalidade de “modus operandi”. Existem três fases no ciclo de violência que frequentemente são praticadas pelos agressores. Veja!
O homem se mostra irritado e tenso por questões insignificantes, podendo ter acessos de raiva. Nesta fase o agressor tenta humilhar a vítima. Ele pode destruir objetos e realizar ameaças.
Segundo o Instituto, “a mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas”.
É muito comum que neste primeiro momento a vítima seja conduzida a pensamento de negação, ou seja, ela não aceita que a violência esteja acontecendo, por isso tenta esconder os fatos de familiares e pessoas mais próximas. Se sente culpada para tentar justificar o comportamento violento do agressor. É comum que diga para si mesma e para outra pessoas frases como “ele teve um dia ruim no trabalho”, exemplificando.
Não há um prazo para a duração desta fase. Podendo ser dias, meses ou mesmo anos até que a violência passe para a fase dois.
Na segunda fase o agressor não consegue mais conter sua agressividade e limitar a dar socos nas paredes, ou quebrar objetos (entre outras ações da fase 1). Nesta fase as agressões verbais, psicológicas, morais e patrimoniais acontecem mais claramente até se materializarem em agressão física.
Condicionada a este agressor, na maioria das vezes a mulher se sente impossibilitada de reagir. É como se passasse por um processo de paralisia.
“Aqui, ela sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor”, conforme cartilha do Instituto Maria da Penha.
Nesta mesma fase a mulher pode procurar por ajuda como realizar uma denúncia, sair de casa, se esconder na casa de parentes ou amigos, podendo assim se distanciar do agressor.
A “Lua de mel”, nome conhecido da fase 3 de violência contra mulher, é uma das mais importantes deste ciclo de violência que precisa ser quebrado. É nessa fase que o agressor se mostra arrependido das agressões que praticou contra sua companheira, se apresentando mais carinhoso e acolhedor, disposto a tudo pela reconciliação.
Confusa e pressionada a manter a relação, seja pela sociedade ou porque muitas vezes existem filhos envolvidos, a mulher pode voltar atrás e retornar para as garras do agressor, acreditando nas palavras dele quando diz que “vai mudar”.
“Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor”, alerta o Instituto.
A vítima fica confusa, podendo desenvolver diversos transtornos psicológicos e sentimentos como confusão, ilusão, medo, entre outros. A “Lua de mel” termina e o agressor retorna para a fase um, até que um dia a agressão física poderá ser tão intensa que a vítima pode não suportar e ir a óbito ou ficar com sequelas, como a própria Maria da Penha, nome da Lei, ficou.
Em 1983 o companheiro da farmacêutica Maria da Penha disparou um tiro de espingarda contra ela. Maria sobreviveu, porém ficou paraplégica e ao retornar para a casa, depois de intensos tratamentos no hospital (quatro meses), foi submetida a violência novamente.
Marco Antonio Heredia Viveros manteve Maria da Penha em cárcere por 15 dias. Nessa segunda tentativa de assassinato ele tentou eletrocuta-la durante o banho, Maria sobreviveu novamente.
Maria da Penha precisou do apoio de amigos e da família para conseguir escapar do companheiro e provar juridicamente as constantes violências que sofria. Como a Lei ainda não existia, para sair de casa ela precisou de muita ajuda para que sua saída não configurasse abandono do lar e ela perdesse a guarda de suas filhas.
O agressor insistia na tese de que o tiro que deixou Maria paraplégica foi de um assaltante. Mas a tese caiu por terra depois de um trabalho de pericial. O julgamento aconteceu somente em 1991, oito anos depois do tiro. Em 1996 Marco Antonio foi sentenciado a 10 anos e 6 meses de prisão, porém o economista recorreu alegando irregularidades processual e a sentença não foi cumprida.
Maria da Penha escreveu e publicou o livro “Sobrevivi... posso contar” (publicado em 1994 e reeditado em 2010), em que detalhou as agressões e sua luta por justiça. Em 1998 o caso ganhou repercussão internacional. Embora houvesse pressão internacional pela falta de direitos humanos no caso, o estado brasileiro se omitiu e não interviu no processo de Maria da Penha.
Em 2001 o estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência praticada contra as mulheres brasileiras. O país recebeu orientações da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos e começou a discutir o tema.
Debates envolvendo o Legislativo, o Executivo e a sociedade, ocorreram até que o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas.
Em 7 de agosto de 2006 o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) finalmente sancionou a Lei Maria da Penha.
Confira alguns canais de denúncia para os casos de violência contra mulheres.
Disque 190
Disque 180
Disque 100
Disque denúncia: 0800 770 2141
WhatsApp: (61) 9610-0180 (todo o Brasil)
Cram 1: (17) 9 9708-2047 (das 8h às 17h)
Cram 2: (17) 9 9646-8909 (das 8h às 17h)
SOS Racismo: (17) 3234-3283
Central de Interpretação de Libras: (17) 9 9737-5606
Setor de Conselhos: (17) 3231-5226 ou (17) 9 9709-1162
Patrulha Maria da Penha (24h): Disque 153
DDM: (17) 3233-2910 (das 8h às 18h)
Mín. 17° Máx. 24°