Rio Preto se prepara para receber a primeira Marcha da Maconha. O evento marca a luta de coletivos e pessoas que defendem a legalização da erva para uso recreativo e medicinal.
A primeira Marcha da Maconha aconteceu nos Estados Unidos em 1999. Já no Brasil, a manifestação pró-legalização das drogas iniciou em 2002, no Rio de Janeiro. O evento em todo o país ainda enfrenta alguns obstáculos, como por exemplo a falta de apoio político. Por se tratar de um tema polêmico, muitos políticos até apoiam, mas manifestação pública, por questões de imagem.
Outro fator que pode dificultar o ato de se consolidar em muitos municípios é a resistência policial, muitas vezes, por falta de informações, agentes de segurança pública confundem a manifestação com apologia às drogas e acaba agredindo e prendendo pessoas.
Esse segundo tópico faz com que as pessoas que apoiam a legalização das drogas se sintam coagidas, o que resulta na terceira dificuldade que organizadores da Marcha enfrentam em diversas cidades, a falta de adesão do público.
Vale destacar que o artigo 5ª da Constituição Federal garante o direito livre a qualquer manifestação, portanto nenhum agente de segurança pública pode prender as pessoas por participarem de manifestações.
Em entrevista ao portal O Noroeste, um dos organizadores da Marcha da Maconha em São José do Rio Preto, Tiago Alves, de 39 anos, explicou a manifestação:
"A questão está além da maconha, não marchamos só para fumar, é pela morte da população preta, que é a maioria que vai presa por causa de um baseado. É pela a família que precisa pro uso medicinal, é também para agricultores presos injustamente. Pela diminuição da população carcerária.
Estamos nessa luta, com muita dificuldade por ser um tema "polêmico", porque para quem tem a informação, de polêmico não tem nada. Ainda mais sendo em Rio Preto, que sabemos que é elitista, conservadora e bolsonarista".
Em 2.700 a.C a maconha começou a ser registrada pelos povos chineses. No ocidente há registros do uso da, também conhecida como, cannabis sativa, para o tratamento de doenças até o século XIX. A substância era encontrada em boticas, alguns artigos científicos do Século XVIII tratava a erva como positiva enquanto medicamentosa.
Em território brasileiro a planta é exótica, ela foi trazida através dos povos africanos, pessoas negras que foram escravizadas pelos portugueses, colonizadores do país na época.
De acordo com um documento oficial do governo federal, de 1959: "a planta teria sido introduzida em nosso país, a partir de 1549, pelos negros escravos, como alude Pedro Corrêa, e as sementes de cânhamo eram trazidas em bonecas de pano, amarradas nas pontas das tangas" (Pedro Rosado).
A coroa portuguesa até chegou a se preocupar com o cultivo da maconha no Brasil, mas ao invés de proibir, acabou incentivando o plantio (século XVIII).
O tempo passou e a maconha deixou de ser usada apenas medicinalmente e passou a ser consumida para uso recreativo, não apenas pelos negros, mas pelos índios brasileiros. Não havia controle, as autoridades não se importavam com essa questão, inclusive, há historiadores que defendem que a rainha Carlota Joaquina (esposa do Rei D. João VI), tomava chá de maconha (não era usada como fumo ainda) todas as tardes.
Entre 1910 e 1930, a maconha passou a ser vista com outros olhos na Europa. No Brasil, a planta começou a ser demonizada em 1920.
A erva foi estudada pelo professor Jean Jacques Moreau, da Faculdade de Medicina da Tour, na França, que chegou à conclusão de que seu efeito seria hedonístico, ou seja, prazeroso.
Em 1930, ao mesmo tempo em que era citada nos artigos científicos e vendida por farmacêutico, se intensificou uma repressão ao seu uso. Estudiosos apontam que a mudança de pensamento se deu pela participação do delegado brasileiro de nome Pernambuco Filho, na II Conferência Internacional do Ópio (1924), realizada em Genebra. De acordo com a ata, o ópio e a coca foram discutidos por mais de 40 países presentes. Mas o então delegado brasileiro se uniu a outro egípcio, Gotuzzo, e expuseram a maconha.
Pernambuco alegou que a maconha era "mais perigosa que o ópio". O brasileiro conseguiu a proibição da maconha e desde então passou-se a proibir o fumo e sua venda em território brasileiro. Os estados: Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Piauí, Alagoas e a Bahia, foram atingidos por uma política que intensificou as prisões para cumprir um projeto de "extermínio do vício". Isso foi feito com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU).
De acordo com um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a cannabis sativa, a cannabis sativa é eficaz no tratamento de doenças neurológicas, como parkinson, glaucoma, depressão, autismo e epilepsia. Veja outras áreas:
Dores crônicas;
Efeito antitumorais
Enjoos causados pela quimioterapia
Contribui no tratamento da espasticidade causada pela esclerose multipla
Tratamento de fibromialgia;
Distúrbios de sono;
Aumento do apetite;
Diminuição da perda de peso em pacientes com HIV;
Melhora nos sintomas de síndrome de Tourette;
Ansiedade; e
Para a melhora nos sintomas de transtornos pós-traumáticos.
A luta pela legalização da maconha se debruça sobre alguns pilares, veja:
Enfraquecimento da rede de tráfico e seu potencial poder de aliciamento de novos trabalhadores do tráfico de drogas, que são majoritariamente pessoas de pele negra;
Diminuição do encarceramento das pessoas pardas, negras e periféricas;
Regulamentação para uso medicinal, para o tratamento de diversas doenças;
Redução de danos à saúde, distúrbios psiquiátricos e psicológicos causados pelo consumo de drogas no lugar de investimento do encarceramento dessa população;
A legalização traria também uma regulação do mercado legal, tendo em vista que no submundo ilegal não há garantias de qualidade dos produtos ou padronização, o que resulta em ostras doenças não relacionacadas ao vício em si;
Diminuição da corrupção na política brasileira. Tendo em vista que o narcotráfico estende seu poder ao cenário político em diversos países, como o Brasil, por exemplo, seja por meio de compra, suborno ou extorquindo boa parte das autoridades do país, legalizar as drogas interromperia a perpetuação de tal prática, ou aliança política/crime.
Redução no número de vítimas inocentes (que nunca consumiram drogas) que morrem em decorrência de conflitos entre polícia e o crime organizado. Sobre essa justificativa diversas ações são realizadas, como: violência urbana, abusos policiais, confiscos de propriedades, revistas e buscas equivocadas, entre outros casos;
A legalização conduzirá a sociedade a aprender a conviver com as drogas, tal e como tem feito com outras substâncias como o álcool e o cigarro. O processo de aprendizagem social é extremamente valioso para poder diminuir e internalizar os efeitos negativos que derivam do consumo e abuso de certas substâncias; e
Pelos direitos humanos dos usuários serem tratados apenas como usuários e não como criminosos.
Existe uma confusão no entendimento dos termos relacionados à política de drogas no Brasil, além de outras questões que precisam ser estudadas para melhor compreensão. Embora semelhantes, os termos liberação, legalização, regulamentação, despenalização e descriminalização trazem desdobramentos diferentes na luta pelo uso livre das drogas no Brasil. Veja as diferenças.
Liberação: Diz respeito ao uso livre de drogas sem regulação e sem controle por parte dos governos. Esse termo é muito confundido com o termo legalização, mas são muito diferentes. Neste momento, nenhum país no mundo é adepto à liberação das drogas, portanto dizer que a droga foi liberada na Holanda, por exemplo, é errado.
Legalização: Neste processo as drogas deixam de ser ilegais e passam a ser legais, como a própria palavra diz. Aqui o estado participa de toda a regulação, desde o plantio, passando pela fabricação, até a venda dos produtos.
Regulamentação: Quando a droga deixa de ser ilícita e passa a ser lícita é hora de regulamentá-la. Isso significa estabelecer normas para a execução de lei, de decreto. Alguns exemplos são as regulamentações das bebidas alcoólicas, o cigarro e medicamentos tarja preta.
Despenalização: Como consequência da legalização temos a despenalização, que é a exclusão de penas privativas de liberdade ao porte de drogas para consumo pessoal, mas não exclui a possibilidade do ato atingir o campo da criminalização. A conduta ainda é considerada um crime.
Descriminalização: Exclusão total de sanções criminais relacionadas à posse de drogas para uso pessoal. Aqui, usar drogas deixa de ser um crime com prejuízo de censuras da conduta na forma de medidas de natureza administrativas. Portanto, descriminalizar uma substância ou planta é deixar de tratá-la como um crime do ponto de vista jurídico.
Normalmente as pessoas que são contrárias à legalização da maconha e outras drogas, além de considerarem valores para elas morais, acreditam que esta seja uma maneira de incentivar o uso de drogas.
Se por um lado as pessoas favoráveis à legalização da maconha defende, sobretudo, a desmobilização do crime organizado, aqueles que são contra a legalização defendem, além das questões mencionadas acima, sua proibição alegando que além do tráfico de drogas, o crime organizado é sustentado também por outras práticas como a prostituição, tráfico humano e tráfico de armas, logo a legalização das drogas seria inútil.
Para contrapor esse argumento, um estudo do criminólogo e professor de sociologia italiano, Vincenzo Ruggiero, apontou que mesmo os mercado dos ilícitos sendo embasados também em outras atividades, diferentes do tráfico de drogas, são realizadas por diferentes grupos, com “leis” próprias. Prostitutas vendem drogas, mas não podem vender armas, por exemplo, aqueles que vendem roupas falsificadas, podem também vender filmes pornográficos, mas não podem comercializar filmes pornográficos com pedofilia, quem vende arma, não pode vender bebidas ou cigarros contrabandeados no seu estabelecimento e assim por diante.
De acordo com o livro “Crimes E Mercados - Ensaios E Anticriminologia” de Ruggiero, em diversas cidades da Europa se encontram atividades econômicas regulares misturadas com ilegais. Ele enfatiza a necessidade de habilidades "especializadas" que cada ramo do mercado ilegal exige.
Trazendo a questão para o Brasil, os desdobramentos desta questão são ainda mais complexos, pois, a proibição ou legalização das drogas está intimamente atrelado à culturas como o racismo e a corrupção política.
Os conflitos sobre este tema tem se intensificado no país, já que grupos políticos com viés de esquerda e extrema esquerda pressionar para que a legalização aconteça, a exemplo, o presidente do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa, que apoia a legalização das drogas e acredita que "é um crime como a prostituição, apenas um problema moral transformado em legislação. Nós consideramos que o problema do uso de drogas, ao contrário do que a ideologia conservadora procura apresentar, é um problema de cada um, não é um problema moral”.
Já o ex-presidente Jair Bolsonaro, do Partido Liberal (PL) , maior representante da extrema direita no Brasil, defende veementemente a proibição da maconha, seja para uso recreativo ou medicinal. Quando ainda cumpria seu primeiro e único mandato, o político alegou a seguinte frase “comigo não tem liberação de droga, nem plantio”.
Dia: 5/08/2023
Local: Concentração em frente a Prefeitura Municipal de Rio Preto
Horário: 14h20
Realização: Coletivo Marcha da Maconha Rio Preto
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