Tropas de choque, muitos carros blindados, escudos, bombas de efeito moral e armamento pesado não combinam com o carnaval que muitos jovens e famílias puderam experienciar no bairro bairro Boa Vista, em São José do Rio Preto, neste ano (2023). Mas foi isso que aconteceu na madrugada da segunda-feira de carnaval (19/02).
O carnaval promovido pelo Centro Cultural Vasco vem se tornando referência ano após ano, e, colocando Rio Preto no circuito da folia, diferentemente do Festival Oba, como muitos veículos insistem em divulgar ser, agora (depois de sua primeira edição), o referencial de carnaval do município.
Rio Preto é diversa, é plural, é uma cidade que abraça muitos públicos, tribos, gêneros musicais, vertentes artística. Rio Preto é teatro, é cinema, é samba, é rock, é funk, é branca, preta, parda, é gay, é lésbica, é hetera, é conservadora, é libertária, é crente, é espírita, é umbandista, é kardecista, é budista, é católica, islâmica.
Mas existe uma Rio Preto muito distante da Represa Municipal, longe dos condomínios de luxo, distante também da opressora classe média que ocupa os bairros das imediações centrais (como Boa Vista),. A Rio Preto real, que sai para trabalhar todos os dias cedo, pega dois ônibus, enfrenta a violência, a falta de infraestrutura, problemas habitacionais, falta de saneamento básico, e que ainda assim resiste e continua existindo com suas preferências artísticas. A Rio Preto da Zona Norte e dos bairros mais afastados existe simmm e ninguém poderá sucumbi-la!
Reprimir o funk é reprimir um povo específico. As batidas tidas como "música de preto e favelado" há muito já invadiu os lares mais conservadores brasileiros. Em Rio Preto não seria diferente. Por que temer a diversão "dessa gente"? O que incomoda não é o barulho, mas o bagulho, que é muito mais embaixo do que a lei do silêncio.
Imaginemos que jovens brancos estivessem tocando piano na praça da Boa Vista, será que a polícia agiria da mesma maneira? Precisaria de tantos policiais assim? Os policiais precisariam marchar daquela forma, como se estivessem indo para uma guerra?
Segundo uma nota de esclarecimento divulgado pelo Comando de Policiamento do Interior 5 (CPI 5/Policia Militar), "por volta das 00h20min a organização do bloco carnavalesco do Vasco fez ligação via 190 para Polícia Militar informando o encerramento das atividades festivas. Posteriormente a corporação foi acionada através do número 190, por solicitantes, para atendimento de ocorrência de Perturbação de Sossego Público, constam mais de 20 ligações.
No local, praça Gandhi, entre a rua São João e a Campos Sales, havia várias pessoas aglomeradas consumindo bebidas alcoólicas, as quais interditavam as vias utilizando-se de veículos com equipamentos sonoros e motocicletas provocando perturbação alheia".
Se as mais de 20 ligações ocorreram, não sabemos, é possível já que Rio Preto é uma cidade que elegeu Bolsonaro nas últimas Eleições, com 67,88% dos votos válidos. Logo ele o maior representante atual do ódio à cultura, às artes, à diversão, ao povo preto, aos mais pobres e necessitados. Não me espanta que a população não goste de funk, de ouvir sorrisos, de verem amores acontecendo e considerem que pessoas consumirem bebidas alcoólicas seja perturbação do sossego público.
Cada um se perturba com o que quer, e isso diz muito sobre nós. E se ao invés de nos irritarmos com a alegria alheia, passássemos a nos transtornamos com a população de rua que só cresce em Rio Preto? E se por acaso a gente começasse a perturbar o nosso sossego público em relação à quantidade de mulheres e crianças abusadas sexualmente em nossa cidade e região? Se todo mundo ligasse mais de 20 vezes para a polícia para denunciar a falta de equipamentos suficientes nas escolas, como máquina de tirar xérox, por exemplo? Se a polícia realizasse um bloqueio gigante para interromper a agressão cometida contra o público LGBTQIAP+ na cidade? Se bombas de efeito moral fossem lançadas dentro das igrejas que ao invés de promover a fé, usam os púlpitos como comício para eleger presidente fascista? Muita coisa boa iria acontecer, não é mesmo?
Se a mesma intensidade para interromper o carnaval alheio, e lembrando que se tratando de carnaval, no Brasil, devemos considerar as especificidades da data, mas se esse clamor social pelo cessamento do baile funk no bairro Boa Vista fosse usado para favorecer o coletivo, ao invés das frustrações ou mesmo anseio (pela diversão, porém falta de coragem para tal) pessoais, Rio Preto certamente seria uma cidade melhor para se viver, principalmente para os menos favorecidos.
Ao contrário disso, tivemos a triste notícia de que uma criança de 9 anos e uma adolescente, de 17, que estavam retornando dos shows promovidos pelo Vasco, receberam represália policial, ficaram intoxicadas pelas bombas, que não foram, nem uma ou duas, mais muitas, lançadas contra seus corpos. A criança ficou engasgada, sem conseguir respirar direito, com suas pequenas mãos começou a limpar os olhos vermelhos e lacrimejantes, enquanto sua irmã adolescente, tossindo muito, tentava socorrer. A mãe, essa artista que vos escreve, além de ir correndo buscar água, registrou toda essa cena, orquestrada por uma sociedade que não consegue compreender o verdadeiro significado do carnaval.
Nos deixando um recado explícito, de que não pode ter funk, preto, gay e criança no carnaval de Rio Preto!
Interessante também pensar que tal ação não ocorreu nas imediações de nenhum outro bloco carnavalesco do município, apenas no que reúne um público pró Lula e contra Bolsonaro.
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